O Evangelho Segundo O Espiritismo, Capítulo V
“Toda a gente fala da infelicidade, toda a
gente já a sentiu e julga conhecer-lhe o caráter múltiplo. Venho eu dizer-vos
que quase toda a gente se engana e que a infelicidade real não é,
absolutamente, o que os homens, isto é, os infelicitados, o supõem. Eles a veem
na miséria, no fogão sem lume, no credor que ameaça, no berço de que o anjo
sorridente desapareceu, nas lágrimas, no féretro que se acompanha de cabeça
descoberta e com o coração despedaçado, na angústia da traição, na desnudação
do orgulho que desejara envolver-se em púrpura e mal oculta a sua nudez sob os
andrajos da vaidade. A tudo isso e a muitas coisas mais se dá o nome de infelicidade,
na linguagem humana. Sim, é infelicidade para os que só veem o presente; a
verdadeira infelicidade, porém, está nas consequências de um fato, mais do que
no próprio fato. Dizei-me se um acontecimento, considerado ditoso na ocasião,
mas que acarreta consequências funestas, não é, realmente, mais infelicitante
do que outro que a princípio causa viva contrariedade e acaba produzindo o bem.
Dizei-me se a tempestade que vos arranca as árvores, mas que saneia o ar,
dissipando os miasmas insalubres que causariam a morte, não é antes uma
felicidade do que uma infelicidade.
Para julgarmos de qualquer coisa,
precisamos ver-lhe as consequências. Assim, para bem apreciarmos o que, em
realidade, é ditoso ou inditoso para o homem, precisamos transportar-nos para
além desta vida, porque é lá que as consequências se fazem sentir. Ora, tudo o
que se chama infelicidade, segundo as acanhadas vistas humanas, cessa com a
vida corporal e encontra a sua compensação na vida futura. Vou revelar-vos a
infelicidade sob uma nova forma, sob a forma bela e florida que acolheis e
desejais com todas as veras de vossas almas iludidas. A infelicidade é a
alegria, é o prazer, é o tumulto, é a vã agitação, é a satisfação louca da
vaidade, que fazem calar a consciência, que comprimem a ação do pensamento, que
atordoam o homem com relação ao seu futuro. A infelicidade é o ópio do esquecimento
que ardentemente procurais conseguir. Esperai, vós que chorais! Tremei, vós que
rides, pois que o vosso corpo está satisfeito! A Deus não se engana; não se
foge ao destino; e as provações, credoras mais impiedosas do que a matilha que
a miséria desencadeia, vos espreitam o repouso ilusório para vos imergir de
súbito na agonia da verdadeira infelicidade, daquela que surpreende a alma
amolentada pela indiferença e pelo egoísmo. Que, pois, o Espiritismo vos
esclareça e recoloque, para vós, sob verdadeiros prismas, a verdade e o erro,
tão singularmente deformados pela vossa cegueira! Agireis então como bravos
soldados que, longe de fugirem ao perigo, preferem as lutas dos combates
arriscados à paz que lhes não pode dar glória, nem promoção! Que importa ao
soldado perder na refrega armas, bagagens e uniforme, desde que saia vencedor e
com glória? Que importa ao que tem fé no futuro deixar no campo de batalha da
vida a riqueza e o manto de carne, contanto que sua alma entre gloriosa no Reino
celeste?”
Delfina de Girardin. (Paris,
1861.)
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